Coleção: # termogravura, travessias atlânticas

Série por: Leandro Machado

A proposta Travessias afro atlânticas, está estruturada na presença de uma série de gravuras, as quais o artista define como termo gravura, e foi obtida a partir de ferros de passar roupa a carvão, aquecidos em fogo de chão, tendo as silhuetas das bases impressas sobre lona de algodão. Essa série deriva de um trabalho de grande escala do artista, de dimensões 12 x 2 metros, elaborado em lona de algodão, o processo de trabalho está registrado em vídeo que pode ser acessado no link, e traz os registros dos procedimentos necessários à construção da gravura, assim como os momentos posteriores em que avançamos - como quem navega - por estrada de terra.

(https://www.youtube.com/watch?v=yaxP9LOFdyQ)

Este trabalho recebeu a acolhida e os aspectos logísticos necessários quando do período da residência no 21º Festival Arte Serrinha, na Fazenda Serrinha, Bragança Paulista/SP, de 24 a 29 jul, 2023.


Em 2023 o artista contabiliza duas décadas de envolvimento no campo das artes visuais. E parte da pesquisa que desenvolve lida com a obtenção de gravuras a partir de ferros de passar roupa a carvão sobre superfícies como a lona de algodão e o papel. Da leitura corporal diante a necessidade da realização de toda uma gama (outra) de gestos e movimentos e ponderações e pesos e contrapesos e pressões específicas consigo mesmo e com o espaço - é impossível não ingressar em estado de performance após quatro, seis, oito horas buscando lenha, alimentando o fogo, se agachando, soprando, aquecendo os ferros, suando, buscando água, agachando outra vez, queimando os dedos, marcando o tecido, olhando de longe, regressando… até a noite cair, até os joelhos gemerem, até o corpo não prestar mais.
Assim, gravura e performance mostram-se como elementos basilares no exercício da poética. E o pensar sobre ambas em diálogo é a eventualidade do surgimento da terceira margem.


No conjunto de estímulos cita como referências: o diagrama que representava o interior do navio britânico Brookes (no ano de 1788) - no qual abolicionistas tentavam denunciar à sociedade inglesa da época os maus tratos impostos a milhares de seres humanos arrancados de África e traficados para a cidade de Liverpool; as sabedorias das lavadeiras/passadeiras também quanto às práticas ligadas aos seus processos de trabalho; Jorge dos Anjos em “Gravadura a ferro e fogo”; Leda Maria Martins em “Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela”; Paulo Bruscki na série “FERROGRAVURA”; Regina Melim e as reflexões feitas em “Performance nas artes visuais”; a presença de Oxum e Ogum – divindades de origem africana cultuadas em religiões afro-brasileiras, como a Umbanda e o Candomblé. Oxum, guerreira, deusa das águas doces e Ogum, que possui o domínio dos segredos da forja.

Os ferros de passar roupa a carvão remetem ao período colonial e ao trabalho escravizado ou mal remunerado (atividade extremamente pesada, exaustiva, repetitiva, braçal, perigosa ao lidar com o fogo e promover - quase sempre - a trabalhadora momentos alongados de exposição a altas temperaturas). Os quais Leandro associa aos ferros de alisar cabelo – igualmente em ferro fundido, aquecidos sobre a chama do fogão – e ambos aos instrumentos de tortura.


A lona de algodão é o material que - por enquanto - se apresenta como principal suporte para as gravuras. Faz rebrotar a experiência enquanto pintor – experiência jamais abdicada. Fácil de ser encontrada no comércio, possível de ser adquirida, possibilita o alcance de grandezas significativas, crua, resistente, densa na tarefa de suportar as queimaduras tinta e agregar cores - terreno, cinza, ferro, água suja.

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De Xangô e de Obá. Possui formação em artes visuais - bacharelado em pintura (2003) e licenciatura em educação artística (2007), ambas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), POA/RS. E especialização em saúde mental, pela Escola de Saúde Pública – ESP/RS, POA/RS, 2007.
Mostras Individuais recentes: Vilões vilões violam violentam violas violões. Casa de Cultura Mario Quintana, POA/RS, 2021; Arqueologia do Caminho. Centre Intermondes, La Rochelle/FR. Curadoria: MartineA. 2019. Mostras coletivas recentes: Dos Brasis. SESC Belenzinho, São Paulo/SP/BR. Curadoria: Igor Simões, Lorraine Mendes, Marcelo Campos. 2023; Presença Negra no MARGS. Museu de Arte do Rio Grande do Sul, POA/RS. Curadoria: Igor Simões, Izis Abreu e Caroline Ferreira. 2022; Lojas Africanas: Territórios de afeto. Casa de Cultura Mario Quintana, POA/RS, 2021.
Premiações: o 5º Concurso de Arte Impressa Goeth-Institut Porto Alegre. Goeth-Institut Porto Alegre, POA/RS, 2020 e o 1º Prêmio Aliança Francesa de Arte Contemporânea. Aliança Francesa Porto Alegre, POA/RS, 2017.