Uma mulher sempre sorrindo
Artistas: Carol Ambrósio, Elvira Freitas Lira
Curadoria de Paula Borghi
de 13/11/2025 à 24/01/2026
Rua Araújo, 154 - mezanino - São Paulo
Uma mulher sempre sorrindo pulou pela janela, caiu de uma escada, fumou um cigarro, subiu no carro, serviu um café,
montou a mesa, alimentou a família e se deitou no colo de outra mulher sempre sorrindo.
montou a mesa, alimentou a família e se deitou no colo de outra mulher sempre sorrindo.
Nota-se, este é um sorriso alto de uma queda ao ar livre.
Com a boca vermelha, adornada com presas de uma pantera negra, a mulher sorri com sangue entre os dentes. De longe se
escuta o som agudo de sua gargalhada, daquela que se vinga da vida com sua própria tristeza.
Há séculos a nomeiam de bruxa, de puta, de louca. Há pouco, chamam-na de vadia. Hoje, escuta-se dizer: artista.
Elvira já nasceu com nome de bruxa, talvez por isso desde muito cedo é possível ver o céu de sua boca a cada sorriso. Carol,
com a idade de Elvira, fugiu para China na busca de sorrir sem o eco grave de sua família. Ambas nunca cobriram com a
mão sua boca ao sorrir, nunca esconderam sua alegre raiva.
Uma mulher sorrindo incomoda muita gente, duas mulheres sorrindo incomodam muito mais.
Você está escutando? Elas dizem numa só voz:
- Somos bruxas, putas, loucas, vadias e artistas.
Faz silêncio na sala.
PAUSA
Até que o espelho diz:
- Mulher, como seu sorriso é bonito, só não é mais bonito do que o da Cinderela.
E a história se repete uma vez mais, com o patriarcado invadindo a sala e colocando-as umas contra as outras, manipulando
sua subjetividade pela disputa de não serem escolhidas pelo príncipe encantado.
Neste momento, a mulher sorri e mostra suas presas de pantera negra. O espelho quebra. Consciente de que esta não foi e
nem será a última vez, a mulher recolhe seus cacos, coloca-os na boca e mastiga sua imagem; sua imagem de mulher
bonita. Ela ama a si mesma e não há nada mais selvagem do que isso.
VOLTA
Esta é uma exposição bonita, com imagens estraçalhadas, digeridas, deglutidas e transformadas. São trabalhos que chegam
sem pedir licença, que vêm de corpos rasgados pelo tempo e suturados pela força.
Você está percebendo? Você está escutando? É o som do rugido da pantera negra, da louça chinesa que quebra na pia, do
corpo que rola escada abaixo, das cabeças mudas de homens degolados, das baratas e lesmas que passeiam pelo vestido
de noiva, dos vasos e pedras que se equilibram sobre as costas das mulheres que sempre sorriem.
Paula Borghi
Brasília, outubro de 2025